Todas as passagens da Bíblia sobre o episódio "Job".
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Jó 6
1 Então Jó respondeu:
2 Se tão somente pudessem
pesar a minha aflição
e pôr na balança a minha desgraça!
3 Veriam que o seu peso é maior
que o da areia dos mares.
Por isso as minhas palavras
são tão impetuosas.
4 As flechas do Todo-poderoso
estão cravadas em mim,
e o meu espírito suga delas o veneno;
os terrores de Deus
me assediam.
5 Zurra o jumento selvagem
se tiver capim?
Muge o boi se tiver forragem?
6 Come-se sem sal
uma comida insípida?
E a clara do ovo, tem algum sabor?
7 Recuso-me a tocar nisso;
esse tipo de comida
causa-me repugnância.
8 Se tão somente fosse atendido
o meu pedido,
se Deus me concedesse o meu desejo,
9 se Deus se dispusesse a esmagar-me,
a soltar a mão protetora
e eliminar-me!
10 Pois eu ainda teria o consolo,
minha alegria
em meio à dor implacável,
de não ter negado
as palavras do Santo.
11 Que esperança posso ter,
se já não tenho forças?
Como posso ter paciência,
se não tenho futuro?
12 Acaso tenho a força da pedra?
Acaso a minha carne é de bronze?
13 Haverá poder que me ajude
agora que os meus recursos se foram?
14 Um homem desesperado
deve receber
a compaixão de seus amigos,
muito embora ele tenha abandonado
o temor do Todo-poderoso.
15 Mas os meus irmãos enganaram-me
como riachos temporários,
como os riachos que transbordam
16 quando o degelo os torna turvos
e a neve que se derrete os faz encher,
17 mas que param de fluir
no tempo da seca
e no calor desaparecem
dos seus leitos.
18 As caravanas se desviam
de suas rotas;
sobem para lugares desertos
e perecem.
19 Procuram água
as caravanas de Temá,
olham esperançosos
os mercadores de Sabá.
20 Ficam tristes,
porque estavam confiantes;
lá chegaram tão somente
para sofrer decepção.
21 Pois agora vocês
de nada me valeram;
contemplam minha temível situação
e se enchem de medo.
22 Alguma vez pedi a vocês
que me dessem alguma coisa?
Ou que da sua riqueza
pagassem resgate por mim?
23 Ou que me livrassem
das mãos do inimigo?
Ou que me libertassem das garras
de quem me oprime?
24 Ensinem-me,
e eu me calarei;
mostrem-me onde errei.
25 Como doem as palavras verdadeiras!
Mas o que provam
os argumentos de vocês?
26 Vocês pretendem corrigir o que digo
e tratar como vento
as palavras de um homem
desesperado?
27 Vocês seriam capazes
de pôr em sorteio o órfão
e de vender um amigo
por uma bagatela!
28 Mas agora,
tenham a bondade
de olhar para mim.
Será que eu mentiria
na frente de vocês?
29 Reconsiderem a questão,
não sejam injustos;
tornem a analisá-la,
pois a minha integridade
está em jogo.
30 Há alguma iniquidade em meus lábios?
Será que a minha boca
não consegue discernir a maldade?
Jó 7
1 Não é pesado o labor
do homem na terra?
Seus dias não são
como os de um assalariado?
2 Como o escravo que anseia
pelas sombras do entardecer,
ou como o assalariado
que espera ansioso pelo pagamento,
3 assim me deram meses de ilusão
e noites de desgraça
me foram destinadas.
4 Quando me deito,
fico pensando:
Quanto vai demorar
para eu me levantar?
A noite se arrasta,
e eu fico me virando na cama
até o amanhecer.
5 Meu corpo está coberto de vermes
e cascas de ferida,
minha pele está rachada
e vertendo pus.
6 Meus dias correm mais depressa
que a lançadeira do tecelão,
e chegam ao fim
sem nenhuma esperança.
7 Lembra-te, ó Deus,
de que a minha vida
não passa de um sopro;
meus olhos jamais
tornarão a ver a felicidade.
8 Os que agora me veem,
nunca mais me verão;
puseste o teu olhar em mim,
e já não existo.
9 Assim como a nuvem se esvai
e desaparece,
assim quem desce à sepultura
não volta.
10 Nunca mais voltará ao seu lar;
a sua habitação não mais o conhecerá.
11 Por isso não me calo;
na aflição do meu espírito
desabafarei,
na amargura da minha alma
farei as minhas queixas.
12 Sou eu o mar,
ou o monstro das profundezas,
para que me ponhas sob guarda?
13 Quando penso que
a minha cama me consolará
e que o meu leito
aliviará a minha queixa,
14 mesmo aí me assustas com sonhos
e me aterrorizas com visões.
15 É melhor ser estrangulado e morrer
do que sofrer assim;
16 sinto desprezo pela minha vida!
Não vou viver para sempre;
deixa-me,
pois os meus dias não têm sentido.
17 Que é o homem,
para que lhe dês importância
e atenção,
18 para que o examines a cada manhã
e o proves a cada instante?
19 Nunca desviarás de mim o teu olhar?
Nunca me deixarás a sós,
nem por um instante?
20 Se pequei, que mal te causei,
ó tu que vigias os homens?
Por que me tornaste teu alvo?
Acaso tornei-me um fardo para ti?
21 Por que não perdoas
as minhas ofensas
e não apagas os meus pecados?
Pois logo me deitarei no pó;
tu me procurarás,
mas eu já não existirei.
Jó 9
1 Então Jó respondeu:
2 Bem sei que isso é verdade.
Mas como pode o mortal
ser justo diante de Deus?
3 Ainda que quisesse discutir com ele,
não conseguiria argumentar
nem uma vez em mil.
4 Sua sabedoria é profunda,
seu poder é imenso.
Quem tentou resistir-lhe e saiu ileso?
5 Ele transporta montanhas
sem que elas o saibam
e em sua ira
as põe de cabeça para baixo.
6 Sacode a terra e a tira do lugar,
e faz suas colunas tremerem.
7 Fala com o sol, e ele não brilha;
ele veda e esconde a luz das estrelas.
8 Só ele estende os céus
e anda sobre as ondas do mar.
9 Ele é o Criador da Ursa e do Órion,
das Plêiades e das constelações do sul.
10 Realiza maravilhas
que não se pode perscrutar,
milagres incontáveis.
11 Quando passa por mim,
não posso vê-lo;
se passa junto de mim, não o percebo.
12 Se ele apanha algo,
quem pode pará-lo?
Quem pode dizer-lhe:
O que fazes?
13 Deus não refreia a sua ira;
até o séquito de Raabe encolheu-se
diante dos seus pés.
14 Como então poderei eu
discutir com ele?
Como achar palavras
para com ele argumentar?
15 Embora inocente,
eu seria incapaz de responder-lhe;
poderia apenas implorar
misericórdia ao meu Juiz.
16 Mesmo que eu o chamasse
e ele me respondesse,
não creio que me daria ouvidos.
17 Ele me esmagaria
com uma tempestade
e sem motivo multiplicaria
minhas feridas.
18 Não me permitiria
recuperar o fôlego,
mas me engolfaria em agruras.
19 Recorrer à força?
Ele é mais poderoso!
Ao tribunal?
Quem o intimará?
20 Mesmo sendo eu inocente,
minha boca me condenaria;
se eu fosse íntegro,
ela me declararia culpado.
21 Conquanto eu seja íntegro,
já não me importo comigo;
desprezo a minha própria vida.
22 É tudo a mesma coisa;
por isso digo:
Ele destrói tanto o íntegro
como o ímpio.
23 Quando um flagelo
causa morte repentina,
ele zomba do desespero dos inocentes.
24 Quando um país
cai nas mãos dos ímpios,
ele venda os olhos de seus juízes.
Se não é ele, quem é então?
25 Meus dias correm
mais velozes que um atleta;
eles voam
sem um vislumbre de alegria.
26 Passam como barcos de papiro,
como águias que mergulham
sobre as presas.
27 Se eu disser:
Vou esquecer a minha queixa,
vou mudar o meu semblante e sorrir,
28 ainda assim me apavoro
com todos os meus sofrimentos,
pois sei que não me considerarás inocente.
29 Uma vez que já fui
considerado culpado,
por que deveria eu lutar em vão?
30 Mesmo que eu me lavasse
com sabão
e limpasse as minhas mãos
com soda de lavadeira,
31 tu me atirarias num poço de lodo,
para que até as minhas roupas
me detestassem.
32 Ele não é homem como eu,
para que eu lhe responda
e nos enfrentemos em juízo.
33 Se tão somente houvesse alguém
para servir de árbitro entre nós,
para impor as mãos sobre nós dois,
34 alguém que afastasse de mim
a vara de Deus,
para que o seu terror
não mais me assustasse!
35 Então eu falaria sem medo;
mas não é esse o caso.
Jó 10
1 Minha vida só me dá desgosto;
por isso darei vazão à minha queixa
e de alma amargurada me expressarei.
2 Direi a Deus: Não me condenes;
revela-me que acusações
tens contra mim.
3 Tens prazer em oprimir-me,
em rejeitar a obra de tuas mãos,
enquanto sorris
para o plano dos ímpios?
4 Acaso tens olhos de carne?
Enxergas como os mortais?
5 Teus dias são como
os de qualquer mortal?
Os anos de tua vida
são como os do homem?
6 Pois investigas a minha iniquidade
e vasculhas o meu pecado,
7 embora saibas que não sou culpado
e que ninguém pode
livrar-me das tuas mãos.
8 Foram as tuas mãos
que me formaram
e me fizeram.
Irás agora voltar-te e destruir-me?
9 Lembra-te de que me moldaste
como o barro;
e agora me farás voltar ao pó?
10 Acaso não me despejaste como leite
e não me coalhaste como queijo?
11 Não me vestiste de pele e carne
e não me juntaste
com ossos e tendões?
12 Deste-me vida e foste bondoso
para comigo
e na tua providência
cuidaste do meu espírito.
13 Mas algo escondeste
em teu coração,
e agora sei o que pensavas.
14 Se eu pecasse,
estarias me observando
e não deixarias sem punição
a minha ofensa.
15 Se eu fosse culpado, ai de mim!
Mesmo sendo inocente,
não posso erguer a cabeça,
pois estou dominado pela vergonha
e mergulhado na minha aflição.
16 Se mantenho a cabeça erguida,
ficas à minha espreita como um leão
e, de novo, manifestas contra mim
o teu poder tremendo.
17 Trazes novas testemunhas
contra mim
e contra mim aumentas a tua ira;
teus exércitos atacam-me
em batalhões sucessivos.
18 Então, por que me fizeste
sair do ventre?
Eu preferia ter morrido
antes que alguém pudesse ver-me.
19 Se tão somente
eu jamais tivesse existido,
ou fosse levado direto do ventre
para a sepultura!
20 Já estariam no fim
os meus poucos dias?
Afasta-te de mim, para que eu tenha
um instante de alegria,
21 antes que eu vá para o lugar
do qual não há retorno,
para a terra de sombras
e densas trevas,
22 para a terra tenebrosa como a noite,
terra de trevas e de caos,
onde até mesmo a luz é escuridão.
Jó 12
1 Então Jó respondeu:
2 Sem dúvida vocês são o povo,
e a sabedoria morrerá com vocês!
3 Mas eu tenho a mesma capacidade
de pensar que vocês têm;
não sou inferior a vocês.
Quem não sabe dessas coisas?
4 Tornei-me objeto de riso
para os meus amigos,
logo eu, que clamava a Deus
e ele me respondia,
eu, íntegro e irrepreensível,
um mero objeto de riso!
5 Quem está bem despreza a desgraça,
o destino daqueles
cujos pés escorregam.
6 As tendas dos saqueadores
não sofrem perturbação,
e aqueles que provocam a Deus
estão seguros,
aqueles que transportam o seu deus
em suas mãos.
7 Pergunte, porém, aos animais,
e eles o ensinarão,
ou às aves do céu, e elas contarão a você;
8 fale com a terra, e ela o instruirá,
deixe que os peixes do mar
o informem.
9 Quem de todos eles ignora
que a mão do Senhor fez isso?
10 Em sua mão
está a vida de cada criatura
e o fôlego de toda a humanidade.
11 O ouvido não experimenta
as palavras
como a língua experimenta a comida?
12 A sabedoria se acha entre os idosos?
A vida longa traz entendimento?
13 Deus é que tem sabedoria e poder;
a ele pertencem o conselho
e o entendimento.
14 O que ele derruba
não se pode reconstruir;
quem ele aprisiona
ninguém pode libertar.
15 Se ele retém as águas,
predomina a seca;
se as solta, devastam a terra.
16 A ele pertencem a força
e a sabedoria;
tanto o enganado quanto o enganador
a ele pertencem.
17 Ele despoja e demite os conselheiros
e faz os juízes de tolos.
18 Tira as algemas postas pelos reis,
e amarra uma faixa
em torno da cintura deles.
19 Despoja e demite os sacerdotes
e arruína os homens de sólida posição.
20 Cala os lábios
dos conselheiros de confiança,
e tira o discernimento dos anciãos.
21 Derrama desprezo sobre os nobres,
e desarma os poderosos.
22 Revela coisas profundas das trevas
e traz à luz densas sombras.
23 Dá grandeza às nações e as destrói;
faz crescer as nações e as dispersa.
24 Priva da razão os líderes da terra
e os envia a perambular
num deserto sem caminhos.
25 Andam tateando nas trevas,
sem nenhuma luz;
ele os faz cambalear como bêbados.
Jó 13
1 Meus olhos viram tudo isso,
meus ouvidos o ouviram
e entenderam.
2 O que vocês sabem, eu também sei;
não sou inferior a vocês.
3 Mas desejo falar ao Todo-poderoso
e defender a minha causa
diante de Deus.
4 Vocês, porém, me difamam
com mentiras;
todos vocês são médicos
que de nada valem!
5 Se tão somente ficassem calados,
mostrariam sabedoria.
6 Escutem agora o meu argumento;
prestem atenção à réplica
de meus lábios.
7 Vocês vão falar com maldade
em nome de Deus?
Vão falar enganosamente a favor dele?
8 Vão revelar parcialidade por ele?
Vão defender a causa a favor de Deus?
9 Tudo iria bem se ele os examinasse?
Vocês conseguiriam enganá-lo
como podem enganar os homens?
10 Com certeza ele os repreenderia
se, no íntimo, vocês fossem parciais.
11 O esplendor dele
não os aterrorizaria?
O pavor dele não cairia sobre vocês?
12 As máximas que vocês citam
são provérbios de cinza;
suas defesas não passam de barro.
13 Aquietem-se e deixem-me falar,
e aconteça comigo o que acontecer.
14 Por que me ponho em perigo
e tomo a minha vida
em minhas mãos?
15 Embora ele me mate,
ainda assim esperarei nele;
certo é que defenderei
os meus caminhos diante dele.
16 Aliás, será essa a minha libertação,
pois nenhum ímpio ousaria
apresentar-se a ele!
17 Escutem atentamente
as minhas palavras;
que os seus ouvidos
acolham o que eu digo.
18 Agora que preparei a minha defesa,
sei que serei justificado.
19 Haverá quem me acuse?
Se houver, ficarei calado e morrerei.
20 Concede-me
só estas duas coisas, ó Deus,
e não me esconderei de ti:
21 Afasta de mim a tua mão
e não mais me assustes
com os teus terrores.
22 Chama-me, e eu responderei,
ou deixa-me falar, e tu responderás.
23 Quantos erros e pecados cometi?
Mostra-me a minha falta
e o meu pecado.
24 Por que escondes o teu rosto
e me consideras teu inimigo?
25 Atormentarás uma folha
levada pelo vento?
Perseguirás a palha?
26 Pois fazes constar contra mim
coisas amargas
e me fazes herdar os pecados
da minha juventude.
27 Acorrentas os meus pés
e vigias todos os meus caminhos,
pondo limites aos meus passos.
28 Assim o homem se consome
como coisa podre,
como a roupa que a traça vai roendo.
Jó 14
1 O homem nascido de mulher
vive pouco tempo
e passa por muitas dificuldades.
2 Brota como a flor e murcha.
Vai-se como a sombra passageira;
não dura muito.
3 Fixas o olhar num homem desses?
E o trarás à tua presença
para julgamento?
4 Quem pode extrair algo puro da impureza?
Ninguém!
5 Os dias do homem
estão determinados;
tu decretaste o número de seus meses
e estabeleceste limites
que ele não pode ultrapassar.
6 Por isso desvia dele o teu olhar
e deixa-o
até que ele cumpra o seu tempo
como o trabalhador contratado.
7 Para a árvore
pelo menos há esperança:
se é cortada, torna a brotar,
e os seus renovos vingam.
8 Suas raízes poderão envelhecer
no solo
e seu tronco morrer no chão;
9 ainda assim, com o cheiro de água
ela brotará
e dará ramos como se fosse
muda plantada.
10 Mas o homem morre
e morto permanece;
dá o último suspiro e deixa de existir.
11 Assim como a água do mar evapora
e o leito do rio perde as águas e seca,
12 assim o homem se deita
e não se levanta;
até quando os céus já não existirem,
os homens não acordarão
e não serão despertados do seu sono.
13 Se tão somente me escondesses
na sepultura
e me ocultasses até passar a tua ira!
Se tão somente me impusesses
um prazo
e depois te lembrasses de mim!
14 Quando um homem morre,
acaso tornará a viver?
Durante todos os dias
do meu árduo labor
esperarei pela minha dispensa.
15 Chamarás, e eu te responderei;
terás anelo pela criatura
que as tuas mãos fizeram.
16 Por certo contarás então
os meus passos,
mas não tomarás conhecimento
do meu pecado.
17 Minhas faltas serão encerradas
num saco;
tu esconderás a minha iniquidade.
18 Mas, assim como a montanha
sofre erosão e se desmorona,
e a rocha muda de lugar;
19 e assim como a água desgasta
as pedras
e as torrentes arrastam terra,
assim destróis a esperança do homem.
20 Tu o subjugas de uma vez por todas,
e ele se vai;
alteras a sua fisionomia
e o mandas embora.
21 Se honram os seus filhos,
ele não fica sabendo;
se os humilham, ele não o vê.
22 Só sente a dor do seu próprio corpo;
só pranteia por si mesmo.
Jó 16
1 Então Jó respondeu:
2 Já ouvi muitas palavras como essas.
Pobres consoladores são vocês todos!
3 Esses discursos inúteis
nunca terminarão?
E você, o que o leva a continuar
discutindo?
4 Bem que eu poderia falar
como vocês,
se estivessem em meu lugar;
eu poderia condená-los
com belos discursos
e menear a cabeça contra vocês.
5 Mas a minha boca
procuraria encorajá-los;
a consolação dos meus lábios
daria alívio para vocês.
6 Contudo, se falo,
a minha dor não se alivia;
se me calo, ela não desaparece.
7 Sem dúvida, ó Deus,
tu me esgotaste as forças;
deste fim a toda a minha família.
8 Tu me deixaste deprimido,
o que é uma testemunha disso;
a minha magreza se levanta
e depõe contra mim.
9 Deus, em sua ira, ataca-me
e faz-me em pedaços
e range os dentes contra mim;
meus inimigos fitam-me
com olhar ferino.
10 Os homens abrem sua boca
contra mim,
esmurram meu rosto com zombaria
e se unem contra mim.
11 Deus fez-me cair
nas mãos dos ímpios
e atirou-me nas garras dos maus.
12 Eu estava tranquilo,
mas ele me arrebentou;
agarrou-me pelo pescoço
e esmagou-me.
Fez de mim o seu alvo;
13 seus flecheiros me cercam.
Ele traspassou sem dó os meus rins
e derramou na terra a minha bílis.
14 Lança-se sobre mim uma e outra vez;
ataca-me como um guerreiro.
15 Costurei veste de lamento
sobre a minha pele
e enterrei a minha testa no pó.
16 Meu rosto está rubro
de tanto eu chorar,
e sombras densas
circundam os meus olhos,
17 apesar de não haver violência
em minhas mãos
e de ser pura a minha oração.
18 Ó terra, não cubra o meu sangue!
Não haja lugar de repouso
para o meu clamor!
19 Saibam que agora mesmo
a minha testemunha está nos céus;
nas alturas está o meu advogado.
20 O meu intercessor é meu amigo,
quando diante de Deus
correm lágrimas dos meus olhos;
21 ele defende a causa do homem
perante Deus,
como quem defende
a causa de um amigo.
22 Pois mais alguns anos apenas,
e farei a viagem sem retorno.
Jó 17
1 Meu espírito está quebrantado,
os meus dias se encurtam,
a sepultura me espera.
2 A verdade é que
zombadores me rodeiam,
e tenho que ficar olhando
a sua hostilidade.
3 Dá-me, ó Deus,
a garantia que exiges.
Quem, senão tu, me dará segurança?
4 Fechaste as mentes deles
para o entendimento
e com isso não os deixarás triunfar.
5 Se alguém denunciar os seus amigos
por recompensa,
os olhos dos filhos dele fraquejarão,
6 mas de mim Deus fez
um provérbio para todos,
um homem em cujo rosto
os outros cospem.
7 Meus olhos se turvaram de tristeza;
o meu corpo não passa
de uma sombra.
8 Os íntegros ficam atônitos
em face disso,
e os inocentes se levantam
contra os ímpios.
9 Mas os justos se manterão firmes
em seus caminhos,
e os homens de mãos puras se tornarão
cada vez mais fortes.
10 Venham, porém, vocês todos,
e façam nova tentativa!
Não acharei nenhum sábio
entre vocês.
11 Foram-se os meus dias,
os meus planos fracassaram,
como também
os desejos do meu coração.
12 Andam querendo tornar a noite
em dia;
ante a aproximação das trevas dizem:
Vem chegando a luz.
13 Ora, se o único lar pelo qual espero
é a sepultura,
se estendo a minha cama nas trevas,
14 se digo à corrupção mortal:
Você é o meu pai,
e se aos vermes digo:
Vocês são minha mãe e minha irmã,
15 onde está então
minha esperança?
Quem poderá ver
alguma esperança para mim?
16 Descerá ela às portas do Sheol?
Desceremos juntos ao pó?
Jó 19
1 Então Jó respondeu:
2 Até quando vocês continuarão
a atormentar-me
e a esmagar-me com palavras?
3 Vocês já me repreenderam dez vezes;
não se envergonham de agredir-me!
4 Se é verdade que me desviei,
meu erro só interessa a mim.
5 Se de fato vocês se exaltam
acima de mim
e usam contra mim
a minha humilhação,
6 saibam que foi Deus
que me tratou mal
e me envolveu em sua rede.
7 Se grito: É injustiça!
Não obtenho resposta;
clamo por socorro,
todavia não há justiça.
8 Ele bloqueou o meu caminho,
e não consigo passar;
cobriu de trevas as minhas veredas.
9 Despiu-me da minha honra
e tirou a coroa de minha cabeça.
10 Ele me arrasa por todos os lados
enquanto eu não me vou;
desarraiga a minha esperança
como se arranca uma planta.
11 Sua ira acendeu-se contra mim;
ele me vê como inimigo.
12 Suas tropas avançam poderosamente;
cercam-me e acampam
ao redor da minha tenda.
13 Ele afastou de mim
os meus irmãos;
até os meus conhecidos
estão longe de mim.
14 Os meus parentes me abandonaram
e os meus amigos
esqueceram-se de mim.
15 Os meus hóspedes
e as minhas servas
consideram-me estrangeiro;
veem-me como um estranho.
16 Chamo o meu servo,
mas ele não me responde,
ainda que eu lhe implore
pessoalmente.
17 Minha mulher acha repugnante
o meu hálito;
meus próprios irmãos
têm nojo de mim.
18 Até os meninos zombam de mim
e dão risada quando apareço.
19 Todos os meus amigos chegados
me detestam;
aqueles a quem amo
voltaram-se contra mim.
20 Não passo de pele e ossos;
escapei só com a pele
dos meus dentes.
21 Misericórdia, meus amigos!
Misericórdia!
Pois a mão de Deus me feriu.
22 Por que vocês me perseguem
como Deus o faz?
Nunca irão saciar-se da minha carne?
23 Quem dera as minhas palavras
fossem registradas!
Quem dera fossem escritas num livro,
24 fossem talhadas a ferro no chumbo,
ou gravadas para sempre na rocha!
25 Eu sei que o meu Redentor vive
e que no fim se levantará
sobre a terra.
26 E, depois que o meu corpo
estiver destruído e sem carne,
verei a Deus.
27 Eu o verei
com os meus próprios olhos;
eu mesmo, e não outro!
Como anseia no meu peito o coração!
28 Se vocês disserem:
Vejamos como vamos persegui-lo,
pois a raiz do problema está nele,
29 melhor será que temam a espada,
porquanto por meio dela
a ira trará castigo para vocês,
e então vocês saberão
que há julgamento.
Jó 21
1 Então Jó respondeu:
2 Escutem com atenção
as minhas palavras;
seja esse o consolo
que vocês haverão de dar-me.
3 Suportem-me enquanto
eu estiver falando;
depois que eu falar
poderão zombar de mim.
4 Acaso é dos homens que me queixo?
Por que não deveria eu
estar impaciente?
5 Olhem para mim e ficarão atônitos;
tapem a boca com a mão.
6 Quando penso nisso, fico aterrorizado;
todo o meu corpo se põe a tremer.
7 Por que vivem os ímpios?
Por que chegam à velhice
e aumentam seu poder?
8 Eles veem os seus filhos
estabelecidos ao seu redor
e os seus descendentes
diante dos seus olhos.
9 Seus lares estão seguros
e livres do medo;
a vara de Deus não os vem ferir.
10 Seus touros nunca deixam
de procriar;
suas vacas dão crias e não abortam.
11 Eles soltam os seus filhos
como um rebanho;
seus pequeninos põem-se a dançar.
12 Cantam, acompanhando a música
do tamborim e da harpa;
alegram-se ao som da flauta.
13 Os ímpios passam a vida na prosperidade
e descem à sepultura em paz.
14 Contudo, dizem eles a Deus:
Deixa-nos! Não queremos conhecer
os teus caminhos.
15 Quem é o Todo-poderoso,
para que o sirvamos?
Que vantagem temos em orar a Deus?
16 Mas não depende deles
a prosperidade que desfrutam;
por isso fico longe
do conselho dos ímpios.
17 Pois, quantas vezes
a lâmpada dos ímpios se apaga?
Quantas vezes a desgraça
cai sobre eles,
o destino que em sua ira Deus lhes dá?
18 Quantas vezes o vento
os leva como palha,
e o furacão os arrebata como cisco?
19 Dizem que Deus
reserva o castigo de um homem
para os seus filhos.
Que o próprio pai o receba,
para que aprenda a lição!
20 Que os seus próprios olhos
vejam a sua ruína;
que ele mesmo beba da ira
do Todo-poderoso!
21 Pois, que lhe importará a família
que deixará atrás de si
quando chegarem ao fim os meses
que lhe foram destinados?
22 Haverá alguém que o ensine
a conhecer a Deus,
uma vez que ele julga
até os de mais alta posição?
23 Um homem morre em pleno vigor,
quando se sentia bem e seguro,
24 tendo o corpo bem nutrido
e os ossos cheios de tutano.
25 Já outro morre
tendo a alma amargurada,
sem nada ter desfrutado.
26 Um e outro jazem no pó,
ambos cobertos de vermes.
27 Sei muito bem
o que vocês estão pensando,
as suas conspirações contra mim.
28 Onde está agora a casa
do grande homem?, vocês perguntam.
Onde a tenda dos ímpios?
29 Vocês nunca fizeram perguntas
aos que viajam?
Não deram atenção ao que eles contam?
30 Pois eles dizem que o mau é poupado
da calamidade
e que do dia da ira recebe livramento.
31 Quem o acusa, lançando em rosto
a sua conduta?
Quem lhe retribui o mal que fez?
32 Pois o levam para o túmulo
e vigiam a sua sepultura.
33 Para ele é macio o terreno do vale;
todos o seguem,
e uma multidão incontável o precede.
34 Por isso, como podem vocês
consolar-me com esses absurdos?
O que sobra das suas respostas
é pura falsidade!
Jó 23
1 Então Jó respondeu:
2 Até agora me queixo com amargura;
a mão dele é pesada,
a despeito de meu gemido.
3 Se tão somente eu soubesse
onde encontrá-lo e como ir à sua habitação!
4 Eu lhe apresentaria a minha causa
e encheria a minha boca
de argumentos.
5 Estudaria o que ele me respondesse
e analisaria o que me dissesse.
6 Será que ele se oporia a mim
com grande poder?
Não, ele não me faria acusações.
7 O homem íntegro poderia
apresentar-lhe sua causa;
eu seria liberto para sempre
de quem me julga.
8 Mas, se vou para o oriente,
lá ele não está;
se vou para o ocidente,
não o encontro.
9 Quando ele está em ação no norte,
não o enxergo;
quando vai para o sul,
nem sombra dele eu vejo!
10 Mas ele conhece o caminho
por onde ando;
se me puser à prova,
aparecerei como o ouro.
11 Meus pés seguiram de perto
as suas pegadas;
mantive-me no seu caminho
sem desviar-me.
12 Não me afastei dos mandamentos
dos seus lábios;
dei mais valor às palavras de sua boca
do que ao meu pão de cada dia.
13 Mas ele é ele!
Quem poderá fazer-lhe oposição?
Ele faz o que quer.
14 Executa o seu decreto contra mim
e tem muitos outros planos semelhantes.
15 Por isso fico apavorado diante dele;
pensar nisso me enche de medo.
16 Deus fez desmaiar o meu coração;
o Todo-poderoso causou-me pavor.
17 Contudo, não fui silenciado
pelas trevas,
pelas densas trevas
que cobrem o meu rosto.
Jó 24
1 Por que o Todo-poderoso
não marca as datas de julgamento?
Por que aqueles que o conhecem
não chegam a vê-las?
2 Há os que mudam
os marcos dos limites
e apascentam rebanhos
que eles roubaram.
3 Levam o jumento
que pertence ao órfão
e tomam o boi da viúva como penhor.
4 Forçam os necessitados
a sair do caminho
e os pobres da terra a esconder-se.
5 Como jumentos selvagens no deserto,
os pobres vão em busca de comida;
da terra deserta a obtêm
para os seus filhos.
6 Juntam forragem nos campos
e respigam nas vinhas dos ímpios.
7 Pela falta de roupas,
passam a noite nus;
não têm com que cobrir-se no frio.
8 Encharcados pelas chuvas
das montanhas,
abraçam-se às rochas
por falta de abrigo.
9 A criança órfã é arrancada
do seio de sua mãe;
o recém-nascido do pobre é tomado
para pagar uma dívida.
10 Por falta de roupas, andam nus;
carregam os feixes,
mas continuam famintos.
11 Espremem azeitonas
dentro dos seus muros;
pisam uvas nos lagares,
mas assim mesmo sofrem sede.
12 Sobem da cidade os gemidos
dos que estão para morrer,
e as almas dos feridos
clamam por socorro.
Mas Deus não vê mal nisso.
13 Há os que se revoltam
contra a luz,
não conhecem os caminhos dela
e não permanecem em suas veredas.
14 De manhã o assassino se levanta
e mata os pobres e os necessitados;
de noite age como ladrão.
15 Os olhos do adúltero
ficam à espera do crepúsculo;
Nenhum olho me verá, pensa ele;
e mantém oculto o rosto.
16 No escuro os homens invadem casas,
mas de dia se enclausuram;
não querem saber da luz.
17 Para eles a manhã
é tremenda escuridão;
eles são amigos
dos pavores das trevas.
18 São, porém, como espuma
sobre as águas;
sua parte da terra foi amaldiçoada,
e por isso ninguém vai às vinhas.
19 Assim como o calor e a seca
depressa consomem a neve derretida,
assim a sepultura consome
os que pecaram.
20 Sua mãe os esquece,
os vermes se banqueteiam neles.
Ninguém se lembra dos maus;
quebram-se como árvores.
21 Devoram a estéril e sem filhos
e não mostram bondade
para com a viúva.
22 Mas Deus, por seu poder, os arranca;
embora firmemente estabelecidos,
a vida deles não tem segurança.
23 Ele poderá deixá-los descansar,
sentindo-se seguros,
mas atento os vigia
nos caminhos que seguem.
24 Por um breve instante são exaltados
e depois se vão,
colhidos como todos os demais,
ceifados como espigas de cereal.
25 Se não é assim,
quem poderá provar que minto
e reduzir a nada as minhas palavras?
Jó 26
1 Então Jó respondeu:
2 "Grande foi a ajuda que você deu
ao desvalido!
Que socorro você prestou
ao braço frágil!
3 Belo conselho você ofereceu
a quem não é sábio,
e que grande sabedoria você revelou!
4 Quem o ajudou a proferir
essas palavras,
e por meio de que espírito
você falou?
5 Os mortos estão em grande angústia
sob as águas, e com eles sofrem os que nelas vivem.
6 Nu está o Sheol diante de Deus,
e nada encobre a Destruição.
7 Ele estende os céus do norte
sobre o espaço vazio;
suspende a terra sobre o nada.
8 Envolve as águas em suas nuvens,
e estas não se rompem
sob o peso delas.
9 Ele cobre a face da lua cheia
estendendo sobre ela as suas nuvens.
10 Traça o horizonte
sobre a superfície das águas
para servir de limite
entre a luz e as trevas.
11 As colunas dos céus estremecem
e ficam perplexas
diante da sua repreensão.
12 Com seu poder agitou
violentamente o mar;
com sua sabedoria
despedaçou o Monstro dos Mares.
13 Com seu sopro
os céus ficaram límpidos;
sua mão feriu a serpente arisca.
14 E isso tudo é apenas
a borda de suas obras!
Um suave sussurro
é o que ouvimos dele.
Mas quem poderá compreender
o trovão do seu poder?
Jó 27
1 E Jó prosseguiu em seu discurso:
2 Pelo Deus vivo,
que me negou justiça,
pelo Todo-poderoso,
que deu amargura à minha alma,
3 enquanto eu tiver vida em mim,
o sopro de Deus em minhas narinas,
4 meus lábios não falarão maldade,
e minha língua não proferirá
nada que seja falso.
5 Nunca darei razão a vocês!
Minha integridade não negarei jamais,
até a morte.
6 Manterei minha retidão
e nunca a deixarei;
enquanto eu viver,
a minha consciência
não me repreenderá.
7 Sejam os meus inimigos
como os ímpios,
e os meus adversários
como os injustos!
8 Pois, qual é a esperança do ímpio,
quando é eliminado,
quando Deus lhe tira a vida?
9 Ouvirá Deus o seu clamor
quando vier sobre ele a aflição?
10 Terá ele prazer no Todo-poderoso?
Chamará a Deus a cada instante?
11 Eu os instruirei
sobre o poder de Deus;
não esconderei de vocês
os caminhos do Todo-poderoso.
12 Pois a verdade é que todos vocês
já viram isso.
Então por que essa conversa
sem sentido?
13 Este é o destino
que Deus determinou para o ímpio,
a herança que o mau recebe
do Todo-poderoso:
14 Por mais filhos que o ímpio tenha,
o destino deles é a espada;
sua prole jamais
terá comida suficiente.
15 A epidemia sepultará aqueles
que lhe sobreviverem,
e as suas viúvas não chorarão por eles.
16 Ainda que ele acumule
prata como pó
e amontoe roupas como barro,
17 o que ele armazenar ficará para os justos,
e os inocentes dividirão sua prata.
18 A casa que ele constrói
é como casulo de traça,
como cabana feita pela sentinela.
19 Rico ele se deita, mas nunca mais o será!
Quando abre os olhos, tudo se foi.
20 Pavores vêm sobre ele
como uma enchente;
de noite a tempestade o leva de roldão.
21 O vento oriental o leva,
e ele desaparece;
arranca-o do seu lugar.
22 Atira-se contra ele sem piedade,
enquanto ele foge às pressas
do seu poder.
23 Bate palmas contra ele
e com assobios o expele do seu lugar.
Jó 28
1 Existem minas de prata
e locais onde se refina ouro.
2 O ferro é extraído da terra,
e do minério se funde o cobre.
3 O homem dá fim à escuridão
e vasculha os recônditos mais remotos
em busca de minério,
nas mais escuras trevas.
4 Longe das moradias
ele cava um poço,
em local esquecido
pelos pés dos homens;
longe de todos,
ele se pendura e balança.
5 A terra, da qual vem o alimento,
é revolvida embaixo
como que pelo fogo;
6 das suas rochas saem safiras,
e seu pó contém pepitas de ouro.
7 Nenhuma ave de rapina conhece
aquele caminho oculto,
e os olhos de nenhum falcão o viram.
8 Os animais altivos
não põem os pés nele,
e nenhum leão ronda por ali.
9 As mãos dos homens
atacam a dura rocha
e transtornam as raízes das montanhas.
10 Fazem túneis através da rocha,
e os seus olhos enxergam todos
os tesouros dali.
11 Eles vasculham as nascentes
dos rios
e trazem à luz coisas ocultas.
12 Onde, porém, se poderá
achar a sabedoria?
Onde habita o entendimento?
13 O homem não percebe
o valor da sabedoria;
ela não se encontra
na terra dos viventes.
14 O abismo diz: Em mim não está;
o mar diz: Não está comigo.
15 Não pode ser comprada,
mesmo com o ouro mais puro,
nem se pode pesar o seu preço
em prata.
16 Não pode ser comprada
nem com o ouro puro de Ofir,
nem com o precioso ônix,
nem com safiras.
17 O ouro e o cristal
não se comparam com ela,
e é impossível tê-la em troca
de joias de ouro.
18 O coral e o jaspe
nem merecem menção;
o preço da sabedoria
ultrapassa o dos rubis.
19 O topázio da Etiópia
não se compara com ela;
não se compra a sabedoria
nem com ouro puro!
20 De onde vem, então, a sabedoria?
Onde habita o entendimento?
21 Escondida está dos olhos
de toda criatura viva,
até das aves dos céus.
22 A Destruição e a Morte dizem:
Aos nossos ouvidos só chegou
um leve rumor dela.
23 Deus conhece o caminho;
só ele sabe onde ela habita,
24 pois ele enxerga os confins da terra
e vê tudo o que há debaixo dos céus.
25 Quando ele determinou
a força do vento
e estabeleceu a medida exata
para as águas,
26 quando fez um decreto para a chuva
e o caminho
para a tempestade trovejante,
27 ele olhou para a sabedoria
e a avaliou;
confirmou-a e a pôs à prova.
28 Disse então ao homem:
No temor do Senhor
está a sabedoria,
e evitar o mal é ter entendimento .
Jó 29
1 Jó prosseguiu sua fala:
2 Como tenho saudade
dos meses que se passaram,
dos dias em que Deus
cuidava de mim,
3 quando a sua lâmpada brilhava
sobre a minha cabeça
e por sua luz eu caminhava
em meio às trevas!
4 Como tenho saudade
dos dias do meu vigor,
quando a amizade de Deus
abençoava a minha casa,
5 quando o Todo-poderoso
ainda estava comigo
e meus filhos estavam ao meu redor,
6 quando as minhas veredas
se embebiam em nata
e a rocha me despejava
torrentes de azeite.
7 Quando eu ia à porta da cidade
e tomava assento na praça pública;
8 quando, ao me verem,
os jovens saíam do caminho,
e os idosos ficavam em pé;
9 os líderes se abstinham de falar
e com a mão cobriam a boca.
10 As vozes dos nobres silenciavam,
e suas línguas
colavam-se ao céu da boca.
11 Todos os que me ouviam
falavam bem de mim,
e quem me via me elogiava,
12 pois eu socorria o pobre
que clamava por ajuda
e o órfão que não tinha
quem o ajudasse.
13 O que estava à beira da morte me abençoava,
e eu fazia regozijar-se o coração
da viúva.
14 A retidão era a minha roupa;
a justiça era o meu manto e
o meu turbante.
15 Eu era os olhos do cego
e os pés do aleijado.
16 Eu era o pai dos necessitados
e me interessava
pela defesa de desconhecidos.
17 Eu quebrava as presas dos ímpios
e dos seus dentes arrancava
as suas vítimas.
18 Eu pensava: Morrerei em casa,
e os meus dias serão numerosos
como os grãos de areia.
19 Minhas raízes chegarão até as águas,
e o orvalho passará a noite
nos meus ramos.
20 Minha glória se renovará em mim,
e novo será o meu arco
em minha mão.
21 Os homens me escutavam
em ansiosa expectativa,
aguardando em silêncio
o meu conselho.
22 Depois que eu falava,
eles nada diziam;
minhas palavras caíam suavemente
em seus ouvidos.
23 Esperavam por mim
como quem espera
por uma chuvarada
e bebiam minhas palavras
como quem bebe a chuva
da primavera.
24 Quando eu lhes sorria,
mal acreditavam;
a luz do meu rosto lhes era preciosa.
25 Era eu que escolhia o caminho
para eles
e me assentava como seu líder;
instalava-me como um rei
no meio das suas tropas;
eu era como um consolador
dos que choram.
Jó 30
1 Mas agora eles zombam de mim,
homens mais jovens que eu,
homens cujos pais eu teria rejeitado,
não lhes permitindo sequer estar
com os cães de guarda do rebanho.
2 De que me serviria
a força de suas mãos,
já que desapareceu o seu vigor?
3 Desfigurados
de tanta necessidade e fome,
perambulavam pela terra ressequida,
em sombrios e devastados desertos.
4 Nos campos de mato rasteiro
colhiam ervas,
e a raiz da giesta era a sua comida.
5 Da companhia dos amigos
foram expulsos aos gritos,
como se fossem ladrões.
6 Foram forçados a morar
nos leitos secos dos rios,
entre as rochas e nos buracos da terra.
7 Rugiam entre os arbustos
e se encolhiam sob a vegetação.
8 Prole desprezível e sem nome,
foram expulsos da terra.
9 E agora os filhos deles
zombam de mim
com suas canções;
tornei-me um provérbio entre eles.
10 Eles me detestam
e se mantêm a distância;
não hesitam em cuspir em meu rosto.
11 Agora que Deus afrouxou
a corda do meu arco e me afligiu,
eles ficam sem freios
na minha presença.
12 À direita os embrutecidos
me atacam;
preparam armadilhas
para os meus pés
e constroem rampas de cerco
contra mim.
13 Destroem o meu caminho;
conseguem destruir-me
sem a ajuda de ninguém.
14 Avançam como através
de uma grande brecha;
arrojam-se entre as ruínas.
15 Pavores apoderam-se de mim;
a minha dignidade é levada
como pelo vento,
a minha segurança
se desfaz como nuvem.
16 E agora esvai-se a minha vida;
estou preso a dias de sofrimento.
17 A noite penetra os meus ossos;
minhas dores me corroem sem cessar.
18 Em seu grande poder,
Deus é como a minha roupa;
ele me envolve
como a gola da minha veste.
19 Lança-me na lama,
e sou reduzido a pó e cinza.
20 Clamo a ti, ó Deus,
mas não me respondes;
fico em pé, mas apenas
olhas para mim.
21 Contra mim te voltas com dureza
e me atacas com a força de tua mão.
22 Tu me apanhas
e me levas contra o vento
e me jogas de um lado a outro
na tempestade.
23 Sei que me farás descer até a morte,
ao lugar destinado a todos os viventes.
24 A verdade é que ninguém dá a mão
ao homem arruinado,
quando este, em sua aflição,
grita por socorro.
25 Não é certo que chorei por causa
dos que passavam dificuldade?
E que a minha alma se entristeceu
por causa dos pobres?
26 Mesmo assim,
quando eu esperava o bem,
veio o mal;
quando eu procurava luz,
vieram trevas.
27 Nunca para a agitação
dentro de mim;
dias de sofrimento me confrontam.
28 Perambulo escurecido,
mas não pelo sol;
levanto-me na assembleia
e clamo por ajuda.
29 Tornei-me irmão dos chacais,
companheiro das corujas.
30 Minha pele escurece e cai;
meu corpo queima de febre.
31 Minha harpa está afinada
para cantos fúnebres,
e minha flauta para o som de pranto.
Jó 31
1 Fiz acordo com os meus olhos
de não olhar com cobiça
para as moças.
2 Pois qual é a porção que o homem
recebe de Deus lá de cima?
Qual a sua herança do Todo-poderoso,
que habita nas alturas?
3 Não é ruína para os ímpios,
desgraça para os que fazem o mal?
4 Não vê ele os meus caminhos
e não considera
cada um de meus passos?
5 Se me conduzi com falsidade,
ou se meus pés se apressaram
a enganar,
6 - Deus me pese em balança justa,
e saberá que não tenho culpa -
7 se meus passos
desviaram-se do caminho,
se o meu coração foi conduzido
por meus olhos,
ou se minhas mãos
foram contaminadas,
8 que outros comam o que semeei
e que as minhas plantações
sejam arrancadas pelas raízes.
9 Se o meu coração
foi seduzido por mulher,
ou se fiquei à espreita
junto à porta do meu próximo,
10 que a minha esposa moa cereal
de outro homem,
e que outros durmam com ela.
11 Pois fazê-lo seria vergonhoso,
crime merecedor de julgamento.
12 Isso é um fogo que consome
até a Destruição;
teria extirpado a minha colheita.
13 Se neguei justiça
aos meus servos e servas,
quando reclamaram contra mim,
14 que farei quando Deus
me confrontar?
Que responderei quando chamado
a prestar contas?
15 Aquele que me fez no ventre materno
não os fez também?
Não foi ele que nos formou,
a mim e a eles,
no interior de nossas mães?
16 Se não atendi os desejos do pobre,
ou se fatiguei os olhos da viúva,
17 se comi meu pão sozinho,
sem compartilhá-lo com o órfão,
18 sendo que desde a minha juventude o criei
como se fosse seu pai,
e desde o nascimento guiei a viúva;
19 se vi alguém morrendo
por falta de roupa,
ou um necessitado sem cobertor,
20 e o seu coração não me abençoou
porque o aqueci com a lã
de minhas ovelhas,
21 se levantei a mão contra o órfão,
ciente da minha influência no tribunal,
22 que o meu braço descaia do ombro
e se quebre nas juntas.
23 Pois eu tinha medo
que Deus me destruísse,
e, temendo o seu esplendor,
não podia fazer tais coisas.
24 Se pus no ouro a minha confiança
e disse ao ouro puro:
Você é a minha garantia,
25 se me regozijei
por ter grande riqueza,
pela fortuna que as minhas mãos
obtiveram,
26 se contemplei o sol em seu fulgor
e a lua a mover-se esplêndida,
27 e em segredo o meu coração
foi seduzido
e a minha mão lhes ofereceu
beijos de veneração,
28 esses também seriam pecados
merecedores de condenação,
pois eu teria sido infiel a Deus,
que está nas alturas.
29 Se a desgraça do meu inimigo
me alegrou,
ou se os problemas que teve
me deram prazer;
30 eu, que nunca deixei minha boca pecar,
lançando maldição sobre ele;
31 se os que moram em minha casa
nunca tivessem dito:
Quem não recebeu de Jó
um pedaço de carne?,
32 sendo que nenhum estrangeiro
teve que passar a noite na rua,
pois a minha porta
sempre esteve aberta para o viajante;
33 se escondi o meu pecado,
como outros fazem,
acobertando no coração
a minha culpa,
34 com tanto medo da multidão
e do desprezo dos familiares
que me calei e não saí de casa...
35 (Ah, se alguém me ouvisse!
Agora assino a minha defesa.
Que o Todo-poderoso me responda;
que o meu acusador
faça a denúncia por escrito.
36 Eu bem que a levaria nos ombros
e a usaria como coroa.
37 Eu lhe falaria
sobre todos os meus passos;
como um príncipe
eu me aproximaria dele.)
38 Se a minha terra se queixar de mim
e todos os seus sulcos chorarem,
39 se consumi os seus produtos
sem nada pagar,
ou se causei desânimo
aos seus ocupantes,
40 que me venham espinhos
em lugar de trigo
e ervas daninhas em lugar de cevada.
Aqui terminam as palavras de Jó.
Jó 42
1 Então Jó respondeu ao Senhor:
2 Sei que podes fazer todas as coisas;
nenhum dos teus planos
pode ser frustrado.
3 Tu perguntaste: Quem é esse
que obscurece o meu conselho
sem conhecimento?
Certo é que falei de coisas
que eu não entendia,
coisas tão maravilhosas
que eu não poderia saber.
4 Tu disseste:
Agora escute, e eu falarei;
vou fazer perguntas,
e você me responderá.
5 Meus ouvidos já tinham
ouvido a teu respeito,
mas agora os meus olhos te viram.
6 Por isso menosprezo a mim mesmo
e me arrependo no pó e na cinza.
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